Sabor misterioso

Dezembro é um mês iluminado para mim. As luzes coloridas adornando os prédios, os enfeites com temas natalinos que piscam pelas ruas, a alegria do clima de verão. Tudo isso transporta nossos olhares para novos ângulos e clama um Ano Novo. Literalmente, novo!

Foi a primeira passagem de ano que comemorei na praia, na areia, em frente ao mar. Esse sempre foi meu desejo!

Eu e Laura começamos a nossa comemoração já pela manhã. A areia branquinha, o mar azulzinho, os surfistas despedindo-se das últimas ondas brancas espumantes. Admirávamos, sentadas na areia, o espetáculo do Verão.

Foi aí que meus olhos captaram a visão de um anjo; ou seria um deus grego?

Não sei como definir aquela imagem, que saía do mar, em câmera lenta. Os cabelos molhados espalhavam-se pelos ombros, que se moviam com perfeição, no ritmo do seu corpo bronzeado, levado por suas pernas e pés, passo a passo, acompanhando a maré.

– Vou dar um mergulho – comunicou-me Laura, sem perceber que eu estava em outra dimensão.

Eu ouvi a voz dela ao longe. Meus olhos não me deixavam aterrissar na Terra.

Em delírio total, pensei que era um ser de outro planeta que se aproximava de mim, sustentando uma prancha debaixo do braço direito, no balanço de uma canção lenta de Bob Marley.

– Desculpe incomodar!

Eu ouvi a voz dele, que se materializou na minha visão turva.

Meus olhos percorreram o anjo dos pés à cabeça, com a naturalidade de quem acorda após um sonho bom.

– Antes de mergulhar, deixei uma garrafa térmica na areia, acho que foi por aqui. Você teria visto? – sua boca ecoou um som grave e suave.

Enquanto eu mergulhava na realidade à minha frente, meus olhos procuravam não sei bem o que ao meu redor.

– Como é exatamente? – Perguntei para que ele repetisse o que havia perdido.

– Uma garrafa térmica vermelha.

– Bem, só posso ter certeza se você disser o que havia nela – retruquei de maneira irônica.

Precisava de tempo para não perder aquela imagem em frente aos meus olhos.

Ele achou graça.

– Você sentiu sabor de quê? – Perguntou ele seguindo a minha linha.

Soltei um leve riso. Olhei para ambos os lados tentando visualizar a imagem daquele objeto vermelho.

– Seria aquela ali? – Apontei com minha cabeça em movimento ligeiramente leve, quando percebi algo brilhando um pouco mais afastado do meu lado esquerdo.

O surfista, respingando água pelo corpo, buscou visualizar o que eu direcionava.

– Parece que é ela – declarou ele alegre.

Ele deu os primeiros passos para se certificar do achado e virou-se para mim.

– Depois você me diz o sabor do que tinha na garrafa.

E se afastou em um ritmo próprio de quem vive embalado pelo mar.

Fiquei com aquelas palavras gravadas em minha mente, tentando decifrar, exatamente, o que ele quis dizer.

Voltamos para o flat para almoçar, e no caminho fui contando para Laura a minha curta aventura com o surfista da garrafa vermelha brilhante.

Era o último dia do ano e tínhamos que aproveitar tudo até a meia noite.

O céu azul de poucas nuvens claras nos convidou para assistir o último pôr do sol do ano na praia.

Os raios avermelhados acompanhavam a bola de luz dourada que começava a se esconder por trás da pequena colina sustentada por coqueiros, em frente ao mar.

O céu ao nosso redor refletia no mar uma pintura impossível de ser uma obra do ser humano.

Nós duas caminhávamos impressionadas com tanta beleza, quando, um pouco ao longe, meus olhos captaram a imagem de um objeto vermelho que reluzia. Fui me aproximando devagar.

– A garrafa vermelha – falei perplexa.

– A do surfista? – Desconfiou Laura.

Olhei ao meu redor, procurava identificar a mesma imagem masculina da manhã.

– Ele está aqui, em algum lugar – deduziu minha amiga.

– Mas onde?

Identifiquei dois surfistas flutuando nas ondas do mar cristalino.

– E se for um daqueles? – Laura tentava me animar.

– Não sei. Vamos embora. Não vou ficar aqui esperando um surfista que sempre esquece uma garrafa vermelha que eu nem sei o que tem dentro.

Olhamos uma para outra. A garrafa estava ali, sozinha, sem dono. Por que não descobrir qual o sabor do líquido que estava dentro dela?

Virei de costas para o mar e alcancei o objeto vermelho com cuidado. Meu corpo escondia com muita sutileza a garrafa que brilhava com os últimos raios do sol.

Naquele momento, lembrei da história de Aladin, uma das minhas preferidas entre os livros da minha infância, ainda acomodados na estante do meu quarto. Abri a tampa com cuidado, fazendo um pequeno ruído com a pressão que havia dentro dela. Esperava que o gênio se libertasse, agradecesse e me oferecesse três desejos.

Mas Laura me arrancou do meu devaneio de fábula.

– O que tem aí dentro?

Eu respirei fundo, aproximei do meu nariz, queria que meu olfato revelasse. Laura aguardava curiosa.

– Tem cheirinho de limão – detectei.

– Bebida com limão?

– Não sei, só provando.

– Você tem coragem?

Respirei fundo mais uma vez.

– Não – decidi. – Vamos embora, antes que o dono apareça.

Laura preferia continuar a aventura, mas eu não queria ser pega em flagrante.

Acomodei a garrafa na areia.

Rindo, como duas crianças que apertam a campainha das casas e fogem, voltamos para o flat.

Enquanto me arrumava para irmos à praia assistir à queima de fogos, olhei-me no longo espelho em frente à porta do quarto.  Sorri com minha imagem refletida. Parei e observei meu rosto: Uma mulher que carrega o mundo em sua mente: a natureza, os pássaros, borboletas, flores, o pôr do sol, o mar, a arte de viver e de ser.

Chegamos na praia quando algumas pessoas já se acomodavam com suas cadeiras, cooler e champagne. Uma música animada mexia com meu corpo, livre, leve e solto.

Eu e Laura também levamos nossas cadeiras e nosso espumante. Mas nossos pés só queriam o movimento na areia úmida da maré que secava, enquanto dançávamos e tirávamos fotos.

Mais pessoas chegavam. As horas foram passando sem que sentíssemos. Nós duas procuramos um lugar onde tivéssemos mais espaço para admirar o mar e nos sentir mais próximas da natureza.

Dez, nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois, UM!

– Feliz Ano Novo! – abrimos nosso espumante e nos abraçamos emocionadas e felizes.

Todos se abraçavam. Os fogos de artifício, que vinham dos barcos no mar, gritavam que agora era o Novo Ano.

Enquanto admirávamos o espetáculo de luzes de vários formatos no céu e saboreávamos nossa bebida com o gosto de magia, eu fiz meus pedidos para o Novo ciclo que estava começando naquele momento.

Em meio àquele espetáculo, meus olhos foram atraídos por uma luz brilhante, vermelha, que reluzia um pouco mais afastada, na areia.

Fui me aproximando lentamente. A garrafa vermelha estava lá, sozinha, esquecida, mais uma vez.

Parei em frente a ela, mas não tive coragem de pegar.

– Feliz Ano Novo! – uma voz rouca e suave de um anjo me fez voltar meu corpo na direção do som que alcançava meus ouvidos.

O surfista abria-se em um largo sorriso enquanto segurava uma taça com um líquido claro.

– Feliz Ano Novo! – Retribuí com a mesma alegria, ainda me recuperando da surpresa daquela aparição celeste.

Ele passou a minha frente, pegou a garrafa da areia e voltou-se para mim.

– Quer saber qual o sabor? – Perguntou ele, abrindo a garrafa.

– Sim – respondi, – estou ansiosa para isso!

O deus grego derramou o líquido de sua taça e tornou a encher com o da garrafa vermelha. Bebeu em longos goles e se aproximou de mim.

Eu não consegui me mover. Esperei que ele chegasse bem perto. Ele focou bem os meus olhos, passou seus dedos pelos meus lábios, colou sua boca na minha, e fez com que eu saboreasse o gosto do líquido que ele acabava de ingerir.

 

Na primeira hora do Novo Ano, meu primeiro desejo havia sido realizado.

O sabor do líquido misterioso, eu só sei que era de limão.

O sabor daquele beijo, ah, era o sabor de viver!

 

Essa história foi inspirada nos Réveillons mágicos que passei na Praia do Francês no flat da minha amiga Flávia! @flatdaflavia.

 

1 comentário em “Sabor misterioso”

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